11 de maio de 2010

Sentimento do Mundo

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.



Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.

Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço,
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desafiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer.



Esse amanhecer
mais noite que a noite.





(Carlos Drummond de Andrade)








5 de maio de 2010

Manifesto do Desespero ou do Desabafo

Aqui estou. Sem vida. Com amor.
Já não consigo mentir/omitir que estou aqui estando lá.
De que matéria é feita a carne?
Por que uma pessoa não pode ser feliz, sendo o que é. (?) Sendo o que escolhe. (?) Sendo o que quer. (?) E sendo ser humano. (?)
Ser o sentido, o sentimento, o contentamento, a satisfação.
Pra que a humilhação, a gozação, a violentação?
O apocalispe. A abominação.
Amo e escondo. Amo e sufoco. Amo e me calo.
Te amo e posso te dizer.
Amo e escondo. Amo e sufoco. Amo e me calo.
Desesperado já não consigo desabafar com meu eu.
Vivo entre aspas. E só posso contar segredos à minha imagem refletida.
Escreve o que vês, num livro, e envia-o às sete igrejas. (Apocalispe 1, 11)
Perdi tantas coisas que creio não poder mais encontrá-las.
Perdi o sopro, o desejo do retorno... e o que me pertence já morreu.
O vento de Deus não cobre mais o abismo.
Estou só, mas vejo as cores dos tempos de antes: o dia está quase acabando.
Amo e escondo. Amo e sufoco. Amo e me calo.
Assim sou. Assim serei.Adicionar imagem
Antes de abandonar a vida, procuro entender por que descontentar-se.
Por que devir.
Por que?
Por
Eu já escolhi.